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Espiral

19 de Março de 2022 às 18h35

Ana Cecília Novaes

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       Segue mais um link de Podcast com o texto deste mês, para aqueles que gostam da versão em áudio (e com alguns efeitos especiais...)! Caso desejem acompanhar a leitura, segue o texto na íntegra abaixo! Espero que gostem! Um abraço!


https://open.spotify.com/episode/6r7xNUebiDRyCIUF6zVkNz?si=b0ca09cf7d0e4979


          - O queeeeeee????? – me vi gritando, um misto de assustada e curiosa, enquanto me sentia ser erguida por dois fortes braços e tentava entender o que estava acontecendo ao meu redor. Ora, não me julgue... não é todo dia em que uma simples caminhada à cafeteria central para o meu usual chococcino com canela se transforma em um... sim! Um flash mob! É isso que está acontecendo, pensei, absolutamente encantada com os movimentos que aconteciam ao meu redor e a música que tocava ao fundo.

            Por definição, uflash mob é um grupo de pessoas que se reúnem repentinamente em ambiente público qualquer, fazendo uma apresentação por um curto período de tempo e rapidamente se dispersam do ambiente como se nada tivesse acontecido. É o tipo de evento que titia teria achado absolutamente escandaloso, mas eu sempre tive vontade de participar de um, e ali estava eu, no centro da coisa toda! Devo admitir que estava um pouco perdida, entre movimentos de braços e passinhos para o lado de cerca de vinte pessoas que sabiam exatamente o que fazer, já que provavelmente haviam ensaiado e combinado tudo antes. Mas já que me falta bom senso e sanidade mesmo, resolvi embarcar na brincadeira e tentei me movimentar junto, claramente atrapalhando um, dois ou dez ao meu redor, ao pisar em alguns pés e oferecer algumas cotoveladas displicentes.

            Estava começando a considerar me afastar delicadamente, já que eu claramente não sabia o que estava fazendo, quando o grupo de repente parou, todos em uma única posição, com a cabeça para baixo, punhos cerrados ao lado do corpo, e um holofote iluminou o centro daquilo que parecia ser uma espiral formada por cerca de vinte pessoas. Olhei para os lados, tentando entender se tinha acabado e eu deveria começar a bater palmas, quando ouvi uma voz forte, vinda de um autofalante que parecia estar no centro da espiral:

            -  Chegamos a este mundo desconhecido... Mas sabemos que não estamos sozinhos... Eles tentam nos derrubar... A mudança está chegando, e é a nossa vez agora...

            E foi quando luzes multicoloridas começaram a preencher o céu e as pessoas começaram a andar vagarosamente, criando uma ilusão de que a espiral se movimentava, e se ampliava... espere! Não era uma ilusão! Em pleno centro da cidade, na hora de pico, pessoas se uniam àquele movimento, e mais e mais indivíduos completamente diferentes entravam no movimento daquela espiral, absolutamente sincronizados com a pulsação da música, a pulsação que todos nós conseguíamos sentir, juntos, naquele momento.

            Comecei a ficar arrepiada, sentindo algo diferente, intenso, único dentro do meu ser. Foi quando ouvi novamente:

            - Olhem... olhem para si, e vejam o que eu vejo. Eu vejo força transbordando por todos os poros de quem já teve que lutar batalhas siderais, e mesmo assim desperta diariamente com um sorriso no rosto e vai acalentar as feridas do outro. Eu vejo coragem nos olhos de quem tanto chorou, mas insiste em persistir, só para não ver a fé se esvair dos olhos de quem ama. Eu vejo sonhos de quem tanto já se decepcionou, mas mesmo assim faz a fantasia ganhar brilho, para que o futuro não perca a vontade de despertar do hoje. Eu vejo, eu vejo sim! Eu vejo você, que pensou em desistir tantas e tantas vezes, mas por um segundo pensou que ainda valia a pena, e permaneceu. Eu vejo você, que já se perdeu no labirinto de sua própria dor por tanto tempo, mas por um décimo de segundo sentiu que ainda havia pelo que lutar, e seguiu. Eu vejo você, náufrago de suas próprias decepções, mas por um centésimo de segundo percebeu que a vida merecia esperança, e confiou. Confiou nesse universo grandioso e absolutamente misterioso, que em uma conexão silenciosa, nos une, eu e você, você e eu.

            “Sim, porque eu estou aqui hoje para te dizer que você não está sozinho. Ei, todo mundo enlouquece. Todo mundo quer jogar tudo fora às vezes. E ei, sei pelo que você está passando. Não deixe que isso leve embora o melhor de você. Você vai conseguir isso vivo... porque... Oh, pessoas como nós, temos de ficar juntos... Mantenha a sua cabeça erguida, nada dura para sempre! Um brinde aos condenados, aos perdidos e esquecidos... É difícil ir para o alto quando se vive no fundo do poço, então vem...”

            “Vem e toma a minha mão, que vamos escalar a montanha mais íngreme que você já viu! Você me dá forças e eu te ergo nos braços, porque a jornada é nossa, e eu garanto, nós vamos vencer. Oh, somos todos desajustados vivendo num mundo em chamas, chamas de transformação! Então cante, cante comigo, cante conosco, cante pelas pessoas como nós, pelas pessoas como nós!”

            E nesse momento, uma canção se iniciou. Mas não uma canção qualquer, mas uma com uma energia absolutamente única e contagiante, que me envolveu de uma forma tão intensa que eu simplesmente me permiti fechar os olhos e ouvir, mergulhando nessa mensagem tão especial e que conectava cada um que ali se posicionava, tão naturalmente, naquele movimento de união.

 

...

 

            Ao abrir os olhos percebi que o grupo havia aumentado, e não mais vinte, cinquenta, mas cerca de cem pessoas estavam, em uníssono, se conectando silenciosamente. Eu, que nem fazia parte daquele movimento, me sentia uma peça de uma engrenagem magnífica, e sentia que de alguma forma a minha história estava compartilhada com a de cada um daqueles que ali estavam. Eu não sabia seus nomes, não sabia suas trajetórias e provavelmente nunca mais iria voltar a vê-los, mas eu sabia que estávamos conectados por esse movimento de fé e entrega a um propósito muito maior do que nossas pegadas individuais.

            Sentia meu coração pulsar tão forte que me assustei, mas foi quando notei que não era o meu, mas o nosso. Cada um ali se entregava de corpo e alma, e fazíamos uma única sinfonia de integração, e entrega. Quando olhei para o lado, percebi, para minha surpresa, que eu estava posicionada exatamente na espiral, simplesmente fazendo parte. Deixei que um leve sorriso escapasse de meus lábios, quando ouvi:

            - Juntos... juntos somos uma corrente que se sustenta, que permanece. Se te falta força, toma a minha mão e segue. Se te falta fôlego, toma meu colo e vai. Se te falta propósito, toma essa estrada e vem comigo, porque juntos vamos encontrar nosso caminho. Você não está sozinho. Todos temos cicatrizes a curar, todos temos medos a vencer, todos temos fantasmas para enfrentar. E eu te garanto, fica bem mais fácil quando tu toma a minha mão, e eu tomo a tua, e a gente segue, sem medo de voar.

            Então vem, porque isto é para o coração quebrado... isto é para os pontos de interrogação... isto é para quem perdeu o controle... Vem e cante para o impossível... cante para o passado quebrado... cante para os que acabaram de se descobrir. A vida está agora de cabeça para baixo, eu sei... Ma se você se sentir sozinho e não entender... Se você está lutando na luta da sua vida, então fique. Nós vamos fazer isso de mãos dadas. E se cairmos, cairemos juntos. Ah, e quando nos erguemos, ergueremos juntos! Juntos!

            Naquele ponto eu nem mais me preocupei em entender como ou porquê, mas ali estava eu, dançando e cantando junto com todos, como se soubesse exatamente o que fazer, o que falar. Mas creio que esse é o movimento da espiral da vida, afinal... Um grande e belo convite de fé, onde a caminhada apenas se desenha, naturalmente, para aquele que ousa a dar o primeiro passo.