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Vivendo em tempos de tristeza pandêmica

26 de Novembro de 2020 às 12h40

Paralelo à pandemia viral que ainda assusta o mundo, vivemos em meio a outro tipo de pandemia que silenciosamente vem avançando cada vez mais em toda a parte do planeta. Trata-se da pandemia de tristeza. Eis aqui um tema que precisamos não apenas falar mais a respeito, como necessitamos refletir de maneira mais aprofundada e proveitosa possível, por tratar-se de um estado emocional e espiritual comum a todo ser humano. De acordo com uma pesquisa promovida pela Fio Cruz em parceria com algumas universidades, a tristeza incluindo quadros de ansiedade e de depressão atingiu cerca de 40% da população brasileira, ou seja, quase a metade, agravando assim o quadro de adoecimento mental, fenômeno este que já vinha apontando um crescimentos vertiginoso nesse início de novo século.

Referimo-nos a um espécie de sentimento que, regra geral, na sociedade em que vivemos, somos todos levados a mascará-lo, a omitirmo-lo, o que torna o panorama ainda mais complicado. Diante da ditadura da pseudo felicidade permanente, aquela que a indústria da publicidade está alimentando o tempo inteiro, somos todos levados a disfarçarmo-nos de pessoas alegres, elevando cada vez mais o patamar de adoecimento mental. Algo que, vale dizer, atinge também muitos dos cristãos que declaram publicamente a sua fé, de maneira geral, incluindo dentre eles, os espíritas, pessoas em torno de quem é comum se esperar um certo quadro de ‘imunização’ contra o vírus da tristeza o tempo inteiro. Mas a verdade é que, como bem sabemos, absolutamente ninguém está imune ao estado de tristeza. Menos ainda em tempos de turbulência, de períodos conturbados como esse que todos temos testemunhado e vivenciado na pele e na alma.

Diante desse panorama de adoecimento psíquico e espiritual, somos todos convidados a não apenas falarmos mais abertamente sobre a tristeza como também somos levados a refletir sobre como lidar com esse estado emocional que já se tornou, segundo pesquisa divulgada recentemente, o sentimento mais presente entre as pessoas em todo o mundo. Dentro desse quadro, pensamos que o foco deve ser em torno do seguinte questionamento: seria a tristeza um estado emocional e espiritual essencialmente negativo, que só nos causa mal ou revela-se uma experiência psíquico-espiritual extremamente válida no processo de amadurecimento e de progresso humano e espiritual? Para nos responder a essa questão é importante recorrermos ao que nos dizem as ciências do comportamento humano, como a Psicologia, a Filosofia, e a ciência espírita, além é claro, do evangelho que permanece sendo o maior tratado sobre as dores e tristeza da alma.

Conhecendo melhor a gênese da tristeza
Caracterizada em linhas gerais pela ausência de alegria, de ânimo e de disposição, de acordo com o Atlas das Emoções, elaborado pelo psicólogo Paul Ekman e que também é utilizado pelo líder espiritual Dalai-lama, a tristeza é uma das cinco emoções básicas universais (dentre as quais estão a alegria, o desgosto, a raiva e o medo) e se dá em níveis distintos de intensidade indo do nível leve ao muito intenso, como é o caso da tristeza profunda que desemboca na depressão, considerada o mal do século.

Contudo, embora possa levar a quadro psicopatológicos como a depressão, a anedonia (que se caracteriza pelo estado de apatia, da incapacidade de sentir prazer, diversão) tristeza não é em si, algo essencialmente ruim, maléfico. Quem nos afirma isso é tanto a Psicologia, a Filosofia como o Evangelho e o Espiritismo. Os psicólogos são unânimes em afirmar que a tristeza é um estado psicológico que pode ser considerado saudável por tratar-se de uma condição natural do ser humano diante das várias experiências ao longo de sua vida. E dizem mais, que bloquear ou fugir dela pode acarretar problemas emocionais mais complicados. Portanto, devemos, antes de mais nada, fazer as pazes com a tristeza que, por sinal, contudo, se percebermos que ela está durando além do normal que é questão de dias, e se intensificando com o passar dos dias, o mais correto e sensato é procurarmos ajuda. Ajuda profissional de especialistas na saúde mental e também a ajuda espiritual.

A face positiva da tristeza
De acordo com o psicoterapeuta Fontenele Araújo, doutor em psicologia na área de neuropsicologia da UFRN, “existe um preconceito em relação a tristeza. busca-se negá-la e supervalorizar a alegria”. Ele diz mais, afirma que “na sociedade em que vivemos, a tristeza só é valorizada na música, literatura e outras formas de arte”. Fora disto, é comum não admitirmos estar tristes nem ver ninguém triste perto de nós. Ao ponto que a reação mais comum é repelirmos dizendo coisa do tipo “vai pra lá com essa cara de borocochô”, ou coisa parecida. Pior ainda,costumamos repetir a frase que já virou clichê: “não fique triste”. Mas quem disse, onde está escrito que não podemos de modo algum ficarmos tristes? Eis um comportamento que precisa ser repensando urgentemente e que traz de maneira mascarada, a máxima da ditadura da felicidade constante a que estamos todos submetidos e muitas vezes não nos damos conta..

O poder psicoterapêutico da tristeza
Ao abordar a face não apenas positiva mas, também psicoterapêutica da tristeza e em consonância com outros especialistas, a psicanalista Fonteneles Damaceno diz algo muito importante. Segundo ela: “Rechaçada por muitos, a tristeza deveria funcionar como um luto necessário para que as pessoas aprendam com as adversidades ou escolha um novo caminho a seguir. sem falar que em muitos casos, a tristeza funciona como uma espécie de sinal, apontando que alguns atos, comportamentos ou escolhas precisam ser repensados..”. Sem dúvida alguma. Quem já não experimentou de um despertar, de um momento profundo de lucidez depois de passar por algum episódio de tristeza?.

A tristeza do ponto de vista do evangelho
Se recorrermos ao que as Escrituras Sagradas cristãs nos dizem acerca da tristeza, veremos que a ciência só corrobora com o que já foi posto há mais de dois mil anos. Especialmente se analisarmos o que está escrito no livro da sabedoria que é o evangelho de Eclesiastes, um verdadeiro tratado sobre a ilusão que atinge a todos na vida aqui neste mundo físico e efêmero. No cap. 7, vs 2-4, nos é revelado o seguinte grande ensinamento: “Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, pois naquela se vê o fim de todos os homens; e os vivos que o tomem em consideração. melhor é a mágoa do que o riso, porque com a tristeza do rosto se faz melhor o coração”.
Eis aqui uma sentença pra lá de verdadeira e que nos faz refletir sobre o paradigma que temos acerca do que é felicidade, alegria e o que é tristeza. Nesse sentido, o versículo seguinte diz: “O coração dos sábios está na casa do luto, mas o dos insensatos, na casa da alegria”, numa clara alusão à pseuda alegria, na felicidade efêmera e hedonista que a grande maioria das pessoas ainda estão em busca ilusoriamente. Mas como nos faz ver o salmo 97: “A luz nasce sobre o justo e a alegria sobre os retos de coração”.

O espiritismo e a distinção entre felicidade e infelicidade
Portanto, essas lições nos convidam a refletirmos sobre não apenas o poder psicoterapêutico e espiritual da tristeza como a aprendermos a distinguir a alegria, a felicidade que vale a pena e que devemos buscar e a que é pura ilusão. Algo que, vale ressaltar, está muito bem posto no Espiritismo que como sabemos, veio tornar claro aquilo que ainda precisaria ser melhor revelado à humanidade. Para os instrutores espirituais, a ideia que a grande maioria de todos nós tem a respeito da infelicidade,ou seja, da tristeza, está totalmente equivocada.
Os instrutores espirituais em O Evangelho Segundo o Espiritismo nos advertem que “[...] aquilo que chamamos de infelicidade, na nossa linguagem humana, nada mais é que algo passageiro cujas consequencias se restringem à vida presente, cessando com a morte e quando bem suportadas, compensadas na vida futura. a infelicidade real, entretanto, está naquilo que paradoxalmente para a maioria é visto de maneira positiva e prazerosa [...]”.
No Cap.5, intitulado “ Bem aventurado os aflitos”, o espírito Delfine de Girardi nos transmite um grande ensinamento ao afirmar que: “[...] ara julgarmos de qualquer coisa, precisamos ver-lhe as conseqüências. assim, para bem apreciarmos o que, em realidade, é ditoso ou inditoso para o homem, precisamos transportar-nos para além desta vida, porque é lá que as conseqüências se fazem sentir. ora, tudo o que se chama infelicidade, segundo as acanhadas vistas humanas, cessa com a vida corporal e encontra a sua compensação na vida futura. vou revelar-vos a infelicidade sob uma nova forma, sob a forma bela e florida que acolheis e desejais com todas as veras de vossas almas iludidas. a infelicidade é a alegria, é o prazer, é o tumulto, é a vã agitação, é a satisfação louca da vaidade, que fazem calar a consciência, que comprimem a ação do pensamento, que atordoam o homem com relação ao seu futuro. a infelicidade é o ópio do esquecimento que ardentemente procurais conseguir”.

Portanto, baseados no que nos é apresentado pelas ciências do comportamento humano, pelo evangelho e por fim, pelo Espiritismo, que possamos não apenas compreender mais a fundo esse sentimento que insiste em nos visitar ao longo de cada nova existência aqui neste mundo, ainda de provas e de expiações, mas buscarmos encará-lo frente a frente, sem mascará-lo, negá-lo ou mesmo combatê-lo de maneira totalmente equivocada. Que tenhamos a força necessária que brota da fé genuína de que nos fala o Espiritismo a fim de, durante os momentos de tristeza a que ainda seremos todos acometidos, para assim, por meio dela, aceitarmos e mais que isso, fazer deles preciosos instrumentos de crescimento psíquico-espiritual dentro do processo infinito de progresso espiritual. Que durante as experiências nebulosas da tristeza em suas várias facetas, busquemos na força da prece sincera e veemente, a sintonia necessária com o Alto e, de maneira especial, com o nosso bom pastor de almas a nos lembrar sempre do que Ele nos garantiu ao nos dizer:”Vinde a mim todos os que estais fastigados que eu vos aliviarei”. E que assim seja, sempre!