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Os perigos de um espiritismo customizado (parte II)

13 de Junho de 2019 às 22h10

Em continuidade ao tema levantado no último texto aqui postado e que versava sobre o processo de customização e comoditização que vem tomando conta do universo das diversas denominações religiosas no Brasil e no mundo, irei aqui abordar de que maneira, esse fenômeno vem se dando no meio espírita e que revela o rumo equivocado que muitos estão dando a este tesouro tão profundamente precioso para a humanidade que é o Espiritismo. Como aqui já foi posto, trata-se de uma fenômeno que é importante estarmos cientes e que chama a atenção para a necessidade de uma autoavaliação crítica permanente, não apenas por parte dos líderes espiritistas, mas de todos os que de algum modo militam na seara espírita e que primam pelo senso de criticidade, sem deixa de lado, obviamente, o mais importante de tudo que é a postura de simplicidade de quem busca, sobretudo, aprender a amar. Algo que, diga-se de passagem, é importante frisar, pois de nada vale apena as habilidades intelectuais, desprezando o mundo dos sentimentos nobres.

Retomando à questão levantada anteriormente e que nos suscita a refletir sobre de que maneira então o Espiritismo vem sendo também atingido por essa onda avassaladora e lastimável de customização e comoditização que toma conta da lógica mercantilista que impera nesta sociedade em que vivemos, diria que o principal sinal nítido desta realidade está no cuidado exagerado com a forma, com o status atribuído à mensagem espírita, em detrimento da essência desta. Na qualidade de alguém que milita na seara espírita há mais de 20 anos e que acompanha atentamente às mudanças e inovações que vem sendo aplicadas ao Movimento Espírita de modo geral, tenho assistido com um certo receio e preocupação, o modo logístico com que o conteúdo doutrinário espírita vem sendo administrado, especialmente, por muitos dos líderes e, de maneira mais particular, dos gestores do denominado Movimento Espírita que parecem não terem se dado conta do aspecto de merchandising incoerente de forte apelo comercial que tem sido adotado cada vez mais frequentemente por diversas agremiações espiritistas.

Sendo ainda mais objetivo, vou ilustrar aqui essa consideração descrevendo uma postagem recebida recentemente. Tratava-se do anúncio de um evento a ser realizado em Fortaleza cujo cartaz, além do 'cast' de expositores celebrizados que constam no rol dos nomes mais cotados em praticamente todas as programações divulgadas pelo país afora, usava da imagem de uma celebridade da Rede Globo de Televisão cujo trabalho não tem relação alguma com o Espiritismo. Não bastava isto, o anúncio fazia alusão à venda de “lotes” com preços diferenciados para o público, de acordo com o lugar na plateia. Confesso que li com espanto a postagem e me pus a pensar comigo mesmo: estamos mesmo perdendo a noção da simplicidade que deveria nortear toda e qualquer ação – e isso inclui os eventos – de natureza doutrinária. E, ao adaptar esses eventos ao formato de comoditização, sem perceber, tem se tornado o Espiritismo mais um produto na vitrine, e o pior, para públicos distintos e cada vez mais refinados.

Se há pouco tempo atrás, a preocupação que se via no Movimento Espírita era a realização do espiritismo à moda da casa, em alusão à falta de consenso no tocante à padronização das reuniões e práticas desenvolvidas dentro dos centros espíritas, hoje nos vemos diante de algo muito pior: o molde da mensagem espírita ao gosto do mercado. Pois o mais importante mesmo é a forma e a ascensão da doutrina no competitivo mercado religioso, e não a essência da mensagem renovadora, libertadora e diferenciada revelada pelos espíritos superiores e de que o mundo que aí está anda tão necessitado. Estes mesmos que, certamente, não estão a se ocupar nenhum pouco com a indústria que tem sido montada em torno dos “produtos” com a marca do espiritismo. Não o Espiritismo apresentado por Allan Kardec, mas sim, este que tem sido feito à moda brasileira. Já basta a mistura, no mínimo, exótica que estão fazendo do espiritismo ao misturá-lo com auto-ajuda e coisa parecida, reduzindo seus preciosos princípios  basilares com uma psicologia barata de fazer vergonha até mesmo aos bons estudantes da área da ciência da psiqué humana!