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Ansiedade: a angústia existencial da alma humana

07 de Março de 2020 às 11h10

As pesquisas científicas e noticiários cada vez mais dão conta de que vivemos um grande surto de transtorno de ansiedade. E, nesse cenário mundial, o Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking da incidência de pessoas sofredoras desse mal também anunciado como aquilo que melhor define e caracteriza o estilo de vida contemporâneo inundado de psicopatologias. De tal forma que, segundo dados da OMS, uma em cada quatro pessoas sofrerão, em algum momento da vida, de algum tipo de doença mental. Mas, afinal de contas, o que tem tornado esta que sempre foi uma reação natural do ser humano diante de situações apreensivas, um dos transtornos mentais mais graves e comuns da atualidade?. Qual a concepção espírita para esse problema que, ao contrário do que muitos se dão conta, além de psíquico é, sobretudo, um fenômeno de natureza espiritual e tem na alma humana, as suas raízes mais profundas?. Este artigo de opinião tentará lançar um pouco de compreensão em torno dessas questões que nos convidam a um mergulho para dentro de nós mesmos na busca de um autoconhecimento mais aprimorado ou que nos permita lidar de maneira um pouco mais fácil com os conflitos que envolvem a mente e alma humana.

Antes de mais nada, é preciso no darmos conta de que estamos tratando aqui de um problema que só a partir do final do século XIX foi que veio à tona a partir dos estudos daquele que ficou conhecido como o grande pesquisador da mente humana, Sigmund Freud. Na concepção dele, o problema da ansiedade seria um ponto de junção, ligando todas as espécies de questões mais importantes e enigmáticas cuja solução deveria inundar de luz, toda a nossa vida mental. Ampliando essa concepção freudiana, na verdade, a abordagem inundaria de luz não apenas a nossa vida mental, mas também e, sobretudo, a alma humana que é a sede de tudo o que somos e sentimos. Nesse sentido, não podemos deixar de lado o fato de estarmos diante de um problema cujas raízes mais profundas estão atreladas ao caráter existencialista do ser humano e que, portanto, a solução perpassa por uma abordagem de cunho filosófico-espiritualista.

Aliás, como nos alertam alguns profissionais da área da saúde mental, a exemplo do psiquiatra e psicanalista Mário Eduardo Costa, autor de livros e vários vídeos sobre esse problema: “As questões de saúde mental são muito sérias para deixarmos unicamente nas mãos de neurocientistas e psiquiatras”, e eu aqui ampliaria, também dos psicólogos, advertindo-nos ele que, “enquanto sociedade, nós não podemos, nem devemos passar um cheque em branco em branco nas mãos da ciência” para que esta resolva um problema cuja solução ou tratamento mais adequado ultrapassa as fronteiras do conhecimento científico propriamente dito. Da mesma forma que também não podemos nem devemos passar esse mesmo cheque em branco para as mãos da religião, cientes de que, a solução está justamente no ponto de intercessão entre um e outro campo do conhecimento humano. Afinal de contas, como afirmou o maior gênio do século XX, Albert Einstein: “A ciência sem a religião é manca. E a religião sem a ciência é cega”. Portanto, só quando esses dois matizes do conhecimento humano unirem-se, convergirem na busca da solução dos grandes e graves problemas da humanidade é que conseguiremos alcançar um novo patamar de vida aqui neste plano.

O fato é que, quanto mais se estuda, se analisa cientificamente o misterioso e enigmático universo íntimo do ser humano, vasculhando-se o campo das emoções, dos pensamentos e dos sentimentos humanos, mais se chega a conclusão do quão profundamente complexos nós somos e que para desvendarmo-nos necessário se faz alargarmos cada vez mais a nossa visão em torno da tríplice dimensão de que somos constituídos: corpo-mente-espírito. Uma realidade de que a ciência oficial e materialista está cada vez mais se aproximando ao se deparar com as suas próprias limitações diante dessa avalanche de graves e desafiadores problemas psicopatológicos que atingem não apenas a psique como creem, mas a alma humana. Dentro dessa vertente da natureza complexa de que somos constituídos e da necessidade da prática de um conhecimento inter, multi e transdisciplinar, como método mais eficiente capaz de desvendar o enigma que representamos, está o Espiritismo que não por acaso, surgiu apresentando-se, não como uma mera religião, ou mais uma nova religião no mundo, como inclusive e equivocadamente muitos estão a concebendo, mas sim enquanto ciência, filosofia e também religião, se considerarmos o significado original do termo religião que aponta para ‘religare’, ou seja, ligação do homem a Deus, com o sagrado, e não no sentido dogmático da religião enquanto uma prática sistemática e ritualística da fé institucionalizada.

E é na qualidade de doutrina filosófica que traz em seu bojo a questão central da existência humana que é a busca pela compreensão em torno de quem somos, de onde viemos e para onde vamos que o Espiritismo nos apresenta uma concepção mais alargada em torno do problema da ansiedade ao associar este ao dilema ontológico que acompanha o ser humano por aqui há milênios e que se traduz na sua angústia diante do vazio existencial, a eterna busca pelo sentido pleno da vida. A luta do ser humano diante daquilo que o filósofo francês Gilles Lipovetsky chama de “patologias do vazio” e que só é capaz de ser sanada por meio da comunhão plena entre criatura e o Criador, através da fé genuína que nos coloca acima de todas as vicissitudes e ilusões deste mundo.

A relação entre a ansiedade patológica e a questão de natureza existencial aparece de maneira mais explícita no livro A Gênese, justamente o livro do Pentateuco que mais explora a necessidade da aproximação entre a ciência e a religião. Em seu capítulo 4, ao discutir as divergências das religiões em torno da concepção da vida futura destinada a alma humana, é feita a seguinte consideração: “Dessas divergências no tocante ao futuro do homem nasceram a dúvida e a incredulidade. Entretanto, a incredulidade dá lugar a um penoso vácuo. O homem encara com ansiedade o desconhecido em que tem fatalmente de penetrar. Gela-o a ideia do nada”. Como podemos perceber, o Espiritismo nos faz ver que, assim como já foi defendido por outros pensadores no século XX, dentre eles, o filósofo da religião Paul Tillich, para quem a causa motriz dessa ansiedade que angustia a alma humana está na ausência da fé consolidada e da crença na imortalidade da alma e, portanto, na superação da angústia diante do “não-ser”, do vazio da incerteza, que só mesmo através de uma fé genuína, consolidada e raciocinada é que poderemos superar essa e as tantas outras angústias que atormentam a alma humana, levando o homem a emergir na vida material, sucumbindo diante das ilusões terrenas, como aliás é dito também nesse mesmo capítulo de A Gênese, especificamente no trecho em que traz a seguinte afirmativa: “A incerteza sobre o que concerne à vida futura faz que o homem se atire, tomado de uma espécie de frenesi, para as coisas da vida material”.

E isso explica, por exemplo, o fracasso de muitos religiosos que mesmo defendendo a bandeira da doutrina que professam, terminam enveredando pelos caminhos ilusórios da vida materialista cujos prazeres e alegrias proporcionados são acompanhados por inquietações angustiantes levando o homem a uma vida esvaziada de seu sentido pleno. Não por acaso que, ao falar do problema da ansiedade Emmanuel, no livro “Pão Nosso”, nos faz a seguinte advertência: “Não olvides, porém, que a ansiedade precede sempre a ação de cair”. E é com Emmanuel, um dos espíritos instrutores que nos auxiliam a vencermos a ansiedade, a que ele denomina de as ‘inquietações angustiantes’ que encerro este texto, compartilhando a seguinte consideração: “A paz de espírito exclui a precipitação e a inquietude, para deter-se e consolidar-se na serenidade e no entendimento. Para adquiri-la, por isso mesmo, urge entregar as nossas sindromes de ansiedade e de angustia à providencia invisível que nos apoia”. Retornaremos a esse mesmo tema, no próximo texto.