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A glamourização no Movimento Espírita

20 de Outubro de 2017 às 08h50

Para além da falta de unidade, problema este já apontado por Kardec em alguns momentos e, de maneira particular, por meio do Livro dos Médiuns e posteriormente da Revista Espírita, o Movimento Espírita brasileiro enfrenta na contemporaneidade outro sério problema que, se não tratado com a devida atenção, comprometerá substancialmente o grande ideal preconizado pelo próprio codificador que é o de ver consolidado o núcleo da grande família espírita. Trata-se de um determinado comportamento coletivo que chamaria de a síndrome de glamourização que se propaga por entre os membros das comunidades espíritas e que, inclusive, para além de muitos espíritas, vem sendo observado e criticado por muitos simpatizantes do Espiritismo que, é sempre bom ressaltar, não é a mesma coisa que Movimento Espírita. O primeiro diz respeito ao conjunto de princípios e verdades sobre o mundo espiritual revelado pela plêiade de espíritos superiores, ao passo que o segundo, a dinâmica organizacional representativa adotada pelos profitentes da Doutrina Espírita visando a sua difusão e propagação. E, como acontece com os demais agrupamentos humanos religiosos, nem sempre estes conseguem ser fieis a essência doutrinária a que se propõem e, menos ainda, aos princípios do Cristianismo que é a matiz espiritual que fundamenta todos esses.

Ao falar de glamourização, refiro-me aqui de maneira específica, ao ato de celebrização que já se vê tomando conta do Movimento Espírita e que não é de hoje. Algo explicitamente observado por meio, sobretudo, da admiração excessiva que muitos permanecem alimentando e manifestado em relação a determinados guias espirituais e médiuns por meio dos quais estes se apresentam e, mais recentemente, como não bastasse, em relação a conferencistas espíritas, muitos dos quais, se comportam como verdadeiras celebridades. Trata-se aqui de algo que, vale dizer, contraria, antes de mais nada, o bom senso e a essência do pensamento espírita-cristão que, ao defender a prática da fé raciocinada, abole por completo estes tipos de comportamentos e posturas. Em muitas situações chega a ser surpreendente e lamentável o grau de celebrização em torno de tais personagens, repetindo um fenômeno já visto nas comunidades religiosas tradicionais e que parece investir cada vez mais no processo de glamourização.

Trata-se de algo, ao meu ver, atrelado diretamente a dois fatores: a falta de senso crítico e a fragilidade da vaidade humana. O primeiro manifesto por parte dos seguidores do Espiritismo que, ao abrirem mão do bom senso revelado pelo crivo da razão, terminam enveredando pelo campo da fé cega, dogmática e limitada, fazendo das entidades espirituais verdadeiras divindades e daqueles que lhes servem de mero canal de comunicação, espécies de gurus. E quanto ao segundo fator, refiro-me à fragilidade do ego detectada nos médiuns e expositores renomados, cuja postura e muitas de suas atitudes, revelam-se estar entregues às armadilhas do orgulho e da vaidade humana que permanece sendo, juntamente com o egoísmo, as maiores chagas morais da humanidade. E, vale dizer que, tanto os primeiros como estes últimos personagens, tem se tornado tanto agentes como reféns da cultura de celebrização que tem sido colocada em prática por muitas das entidades representativas do glamoroso Movimento Espírita que ai se apresenta.

Entretanto, é bom lembrar que para além destas entidades representativas e que incluem federações, associações e outras denominações organizacionais, em sua maioria, constituídas ou presididas por pessoas de status quo, o Espiritismo também se propaga, mesmo que de forma lenta, mas mais prudente, por meio de muitas outras formas de agrupamentos humanos de natureza simples e indivíduos de postura modesta que não pactuam com a realidade aqui descrita. Pessoas que por meio de suas modestas contribuições e aparições, mas, sobretudo, de sua conduta moralítica manifestada no dia a dia são os mais consistentes recursos de propagação do Espiritismo em sua essência. Afora isso, vale destacar que, tratam-se aqui de exemplos que vão na direção da herança deixada por aquele que até hoje continua sendo o maior exemplo de Espiritismo posto em prática que foi Chico Xavier, para quem o trabalho incessante no bem sob a égide da humildade é o roteiro mais legítimo a ser seguido por aqueles que verdadeiramente carregam a bandeira do Cristianismo redivivo.

Ele que aconselhava sempre a se ter muito cuidado com grupos espíritas fermentados, de grandes proporções, dando preferência ao trabalho de grupos pequenos onde a simplicidade permanecesse sendo a qualidade maior. Assim como defendeu Alan Kardec, por exemplo, no Livro dos Médiuns, no item 334, ao falar nos moldes de como deveriam ser formados e agirem as sociedades espíritas, enquanto pequenos grupos que deveriam se corresponder entre si, visitando-se, permutando observações, formando o núcleo da grande família espírita, que um dia consorciará todas as opiniões e unirá os homens por um único sentimento: o da fraternidade, trazendo o cunho da caridade cristã.