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A desilusão e o desencanto

30 de Junho de 2015 às 00h35

"Desiludir-se de si mesmo e de tudo ao nosso redor, é quebrar o encanto que nos impede de enxergarmos a nós mesmos e à vida sem ilusão" (André Ricour)

Intrinsecamente relacionados entre si, desilusão e desencanto compreendem dois dos mais profundos sentimentos vivenciado pelo homem no transcorrer de sua existência. Frutos quase sempre das decepções geradas nos relacionamentos interpessoais mais íntimos ou de frustações do indivíduo diante de investidas mal sucedidas na permanente batalha da vida, tais sentimentos se misturam levando as pessoas a um estado de desânimo e tristeza.

Não obstante, bem compreendidos e digeridos, a desilusão e o desencantamento se revelam dois dos mais valiosos instrumentos a serviço do nosso amadurecimento psíquico-espiritual. Para tanto, necessário se faz compreender a gênese desses sentimentos observando-os numa perspectiva otimista, ou diria, mais aprofundada. Só assim, o que a princípio parece ser controverso ou mesmo impossível, vai se tornando elucidativo e autoeducativo para a alma.

Nesse sentido, o primeiro passo reflexivo e autoelucidativo a ser desenvolvido consiste em, como nos esclarece a filosofia budista, livrarmo-nos da concepção pejorativa da desilusão difundida na cultura ocidental. Ao contrário do que, culturalmente nos acostumamos a conceber, a desilusão consiste numa das mais valiosas posturas a ser adotada nas mais diversas situações e condições da vida.

Trata-se, é bem verdade, de uma tarefa extremamente difícil tendo em vista o alto grau de ilusão que rege a vida do espírito quando encarnado e, desta maneira, rodeado da mais fascinante de todas as ilusões que é a matéria. Mergulhado e quase sempre totalmente refém das sensações e prazeres fornecidos pelos sentidos físicos e que faz do corpo humano um verdadeiro entrave para a experimentação transcendentais, o espírito precisa se libertar de tudo aquilo que lhe entorpece à alma e satisfaz o humano.

Indo além dos aspectos dicotômicos espírito x matéria, não podemos nos esquecer também de que a ilusão também se faz presente no processo de relacionamento interpessoal, gerando uma série de sofrimentos psíquicoemocionais, levando-nos aos mais diversos estados de desequilíbrio emocionais. O principal deles advém do alto grau de carência emocional presente na maioria de nós, que faz com que, consciente ou inconscientemente, projetemos no outro, a personalização da virtude máxima, da perfeição, do herói, etc.

Isso se reflete muito na construção da pessoa do melhor amiga ou amiga, da super mãe ou paizão, do professor sábio, do conferencista virtuoso, dentre outras personalizações ilusórias cujo processo de desilusão, ocorrido fora da racionalidade, desemboca na amarga e sofrível experiência da decepção. E, nesse sentido, nunca é demais lembrar que a única pessoa responsável realmente pela decepção somos nós mesmos, uma vez que esse sentimento só ocorre em almas que ainda transferem para o outro, a condição delas mesmas se fazerem felizes, alegres, seguras. Além do mais, não podemos nos esquecer de que decepcionar-se é sinônimo de desiludir-se, desenganar-se, sendo assim, é algo que deve ser reconcebido, a partir de uma outra perspectiva. Uma perspectiva que nos salve de nossa própria ignorância e equívoco perceptivo.

E o desencanto, onde fica em meio a todo esse processo psíquico-espiritual? Consequência direta da desilusão, se bem analisado, assim como a desilusão, o desencanto também é um sentimento que, mesmo causando uma certa melancolia e tristeza, deve ser bem aceito e melhor experimentado. Há de se perguntar, mas como se sentir bem, perdendo o encanto já que é esse o significado real do desencantar-se?.

A resposta vai ao encontro do que já posto mais acima. De onde vem o encanto, se não do mundo da ilusão que insistimos em nutrir ao longo de nossas existências?. Daí a perpetuidade dos mitos que acompanham a humanidade desde o seu estado mais primitivo e que se perpetua até os dias atuais.

Portanto, o desencanto só é sentido de forma sofrível, triste, descepcionante e até angustiante, quando não estamos maduros o suficiente para nos enxergarmos sob uma ótica autoelucidativa e autoeducativa. Dentro dessa perspectiva, ao contrário do que nos acostumamos conceber nas mais diversas e distintas etapas de nossas vidas, os desencantos, ora com pessoas, ora com situações que julgamos ser frustantes, revelam na verdade, valiosos momentos de superação de si mesmo. Mesmo que a autoconsciência dessa realidade só venha mais adiante, quando costumeiramente dizemos para nós mesmos: “ah, como pude ser tão infantil?”. ...