Bosques, rios, jardins, fontes luminosas, conjuntos habitacionais e enormes torres onde funcionam Ministérios. Poderíamos estar falando de Brasília. Mas essa também é a descrição de Nosso Lar, uma cidade no além descrita por Chico em 1944 (16 anos antes da inauguração de Brasília, diga-se). Localizada na “psicosfera”, ou seja, em um plano espiritual, que abrigaria 1 milhão de desencarnados – homens, mulheres, jovens e velhos que estavam lá para aprender e trabalhar entre uma encarnação e outra. Apesar de serem espíritos e estarem todos vestidos em trajes brancos, os habitantes da colônia tinham uma vida muito parecida com a dos mortais.
Até 1944, ninguém havia contado com tanta riqueza de detalhes como seria a suposta vida após a morte. Segundo Chico, o relato virou livro graças a um espírito que nunca teria revelado sua verdadeira identidade e que assinava as obras com o pseudônimo de André Luiz. O livro Nosso Lar, escrito por Chico Xavier enquanto estaria encarnado por ele, falava de um plano espiritual tão realista quanto futurista: o livro descreve comunicadores pessoais parecidos com nossos celulares, um “aerobus” (meio de transporte aéreo muito veloz) e telas planas semelhantes às TVs de plasma. Uma muralha com baterias magnéticas protegia Nosso Lar. A cidade tinha o formato de uma estrela de seis pontas e teria sido fundada por portugueses que desencarnaram no Brasil no século 16.
Desde que Nosso Lar chegou às livrarias, em 1944, já vendeu 2,5 milhões de cópias e foi traduzido para, pelo menos, 15 idiomas. A adaptação homônima em filme, de Wagner de Assis, estrelada por Paulo Goulart, levou 562 mil pessoas ao cinema no final de semana de estreia, em 2010.
Foi com Nosso Lar que o mais conhecido médium brasileiro deu início à série A Vida no Mundo Espiritual. Assinados por André Luiz, os 13 livros escritos ao longo de 25 anos contam histórias sobre o além. As obras mostraram na prática, por meio de personagens, o funcionamento dos ensinamentos de Allan Kardec e do espiritismo, como a lei de causa e efeito, que diz que tudo o que fizermos em uma encarnação será igualmente imposto a nós em outras vidas.
O espírito de André Luiz teria se apresentado para Chico Xavier dizendo que escreveria alguns livros com ele. O médium aceitou e pediu o nome que seria assinado nas obras. Havia um rapaz dormindo na cama ao lado naquele momento. Era André Luiz, o meio-irmão de Chico, e o médium diz que esse foi o pseudônimo que o espírito escolheu para assinar as obras.
Nos livros, Chico deixou uma pista de quem teria sido André Luiz quando vivo. Em Nosso Lar, o médium escreveu que o espírito teria sido um médico sanitarista conhecido no Rio de Janeiro do início do século 20. Ao longo dos anos, a curiosidade foi tão grande que surgiram hipóteses. Um dos nomes especulados é o de Oswaldo Cruz, figura que estudou doenças tropicais, como febre amarela e varíola, e ajudou a combater epidemias no Rio de Janeiro. Entrou para a história do Brasil quando obrigou a população carioca a se vacinar, culminando na Revolta da Vacina, em 1904. A segunda hipótese é Carlos Chagas, famoso cientista brasileiro conhecido internacionalmente pela descoberta da doença de Chagas. O médico era amigo de Oswaldo Cruz e morreu em 1934. Outra possível identidade de André Luiz é o médico carioca Faustino Esposel, mas ele foi mais conhecido por ter sido presidente do Flamengo na década de 1920 do que pelo trabalho na área da saúde.
A hipótese de que André seria Carlos Chagas é sustentada, inclusive, por Waldo Vieira, o principal parceiro de psicografia de Chico, que também atribuiu a autoria de livros a André Luiz. Os médiuns alegavam que o espírito conversava com a dupla ao mesmo tempo – o que obrigou os colegas a adotar um sistema de trabalho caótico. Para psicografar Evolução em Dois Mundos, romance clássico do espiritismo que descreve a alma humana em termos médicos, Chico e Waldo estavam em cidades diferentes, mas ambos diziam receber informações de André Luiz. A dupla decidiu, então, dividir o trabalho: Waldo psicografava os capítulos ímpares de Uberaba, onde estudava medicina e odontologia, e Chico escrevia os pares direto de Pedro Leopoldo, a mais de 500 km de distância.
Para os céticos, no entanto, o anonimato do espírito tinha motivação jurídica. A teoria é que Chico queria se proteger de um processo, como aconteceu no caso de Humberto de Campos, quando a viúva do escritor requisitou os direitos autorais dos livros psicografados por Chico. Se o médium lançasse o livro atribuindo sua autoria a uma figura pública tão notória quanto Carlos Chagas ou Oswaldo Cruz, estaria abrindo a possibidade de ser levado novamente aos tribunais caso as famílias julgassem que deveriam receber direitos autorais pelas obras supostamente escritas pelos parentes.
Nosso lar (1944)
(Reprodução/Divulgação)
Livro mais vendido de Chico Xavier, Nosso Lar aborda os primeiros anos após a morte do médico André Luiz em uma colônia espiritual – espécie de cidade onde os espíritos se reúnem para aprender e trabalhar entre uma encarnação e outra.
O livro trata da Lei de Causa e Efeito à qual todos os espíritos estariam submetidos (espécie de carma) e descreve a arquitetura da colônia, formada por casas de repouso para os recém-desencarnados, muralhas com baterias de proteção magnética, conjuntos habitacionais, praça central, fontes luminosas e parques arborizados. O espírito detalha peculiares presentes no plano espiritual, como um globo de cristal de 2 metros de altura utilizado para reuniões mediúnicas com os encarnados, um “aerobus de grande comprimento e de deslocamento aéreo rápido e até mesmo uma espécie de capitalismo espiritual a partir do bônus-hora, forma de pagamento que corresponde a cada hora de trabalho prestado. O livro também faz algumas previsões acertadas do futuro: fala que cada habitante da colônia tem um aparelho comunicador pessoal e descreve telas finas de visualização de imagens a distância – algo semelhantes com os nossos telefones celulares e televisores de tela plana.
Tem como protagonista novamente o espírito André Luiz. A obra trata da mediunidade, da comunicação dos espíritos com o plano carnal e da ligação pelo pensamento que existiria entre todos os seres humanos, seja na terra ou no além. Também aborda a oração como pedido de assistência, que sempre seria respondida de alguma forma pelo plano espiritual. Após a vida, haveria ainda um longo caminho de aprendizado – daí advém a ideia de que estamos constantemente nos aperfeiçoando por meio da reencarnação, sempre orientados por espíritos superiores.
O livro utiliza conceitos de biologia, física e história e relaciona ciência e religião para falar sobre a evolução da humanidade no céu e na terra, que estariam interligados. Para isso, o autor aborda Universo, sistemas estelares, atrás dos quais haveria uma organização superior. Cada galáxia teria seu Cristo, que organizaria tudo de acordo com o planejamento instituído por Deus. André Luiz fala do surgimento da Terra, dos primórdios da vida nos mares, da evolução dos vegetais, dos dinossauros, do surgimento dos mamíferos e da evolução humana.
André Luiz aborda as relações sexuais humanas e seu impacto na vida espiritual. Sexo, poligamia, divórcio, alcoolismo e crimes sexuais são analisados pelo prisma do espiritismo. O espírito diz que não existe masculinidade e feminilidade totais na personalidade humana e ainda traz um ponto polêmico: a homossexualidade é igualada a anomalias sexuais, e os gays estariam no plano terreno para deixar de ser gays.
O livro retrata duas personagens que desencarnam na mesma época, em São Paulo, com o mesmo problema nos rins, e trata do despertar delas no mundo espiritual. A obra relaciona a vivência de Evelina e Ernesto na Terra com sua vida no plano espiritual. Ao longo de 26 capítulos, André Luiz traz a história de dois amigos que se conhecem no hospital e mostra que eles não se encontraram por acaso, uma vez que as famílias estavam intimamente ligadas por laços de outras vidas. Um filme baseado na obra foi lançado em 2012.
A obra foca no trabalho dos médiuns e na prática da disciplina para o autoaperfeiçoamento. Também aborda as experiências comuns dos médiuns ao falar de temas como culto doméstico, calúnia e medo da morte. No livro, há relatos de médiuns desencarnados que partiram da colônia Nosso Lar com tarefas específicas e não conseguiram cumpri-las, dos atendimentos prestados pela equipe de mensageiros da colônia a encarnados e desencarnados e, finalmente, da viagem para o plano terrestre dos espíritos André Luiz e seu parceiro Vicente, sob os cuidados do protetor Aniceto, a fim de desenvolver um trabalho de auxílio aos vivos.
Super interessante