Dentro da nova ala arqueológica do Museu Terra Santa de Jerusalém, os visitantes são guiados por uma ponte que cruza uma cisterna de águas profundas, construída há quase mil anos. Escondido sob um mosteiro franciscano dentro das muralhas da Cidade Velha (centro histórico da cidade de Jerusalém), o museu oferece em sua localização uma viagem pelo passado de Jerusalém e da ordem religiosa dedicada a preservá-lo.
"Tudo isso estava cheio de terra", disse o diretor do museu e frade franciscano, reverendo Eugenio Alliata, em seu manto marrom e sandálias.
Olhando para cima enquanto caminhava, eu o segui até uma sala de pedra do século 13, provavelmente uma oficina usada pelos cruzados que governavam a Cidade Santa naquela época, como explicou o reverendo. Esta sala - que agora contém uma pedra esculpida que antes ficava no alto de uma coluna em um dos luxuosos palácios do rei Herodes, nos arredores de Jerusalém - também estava, até recentemente, cheia de terra.
Mas um projeto de restauração de vários anos transformou este labirinto subterrâneo - construído e reconstruído em várias camadas desde o tempo do rei Herodes no século 1 até os sultões mamelucos no período medieval - em um museu que conta não apenas a história de Jerusalém, mas também a história das descobertas arqueológicas da Ordem Franciscana, feitas em todo o território israelense, nos territórios palestinos, no Egito e na Jordânia no último século.
Por mais de 100 anos, frades franciscanos realizaram dezenas de escavações em alguns dos locais cristãos mais famosos da região, incluindo Nazaré, Belém e aqui no complexo do Mosteiro da Flagelação, que tem sido um local de peregrinação desde o século 4.
"A arqueologia é importante porque nos mostra como as pessoas viviam, e precisamos disso para entender o passado, para entender nossas tradições", disse Alliata, que também é arqueólogo e escavou alguns dos itens exibidos. "Peregrinos e visitantes precisam ver essas coisas."
Abertura ao público
Mas até recentemente isso não era fácil. As dezenas de milhares de artefatos que os franciscanos coletaram ao longo dos anos estavam armazenados no Studium Biblicum Franciscanum, uma divisão da Pontifícia Universidade Antonianum fundada em 1924, dedicada à pesquisa arqueológica e bíblica. Tecnicamente formando o mais antigo museu arqueológico da cidade. O acervo só estava disponível para o público com hora marcada, e a maioria eram acadêmicos.
"Realmente não era muito acessível", lembrou Masha Halevi, que visitou o centro de pesquisa muitas vezes em 2010, enquanto trabalhava em sua tese de doutorado em geografia na Universidade Hebraica de Jerusalém e em vários artigos acadêmicos que vieram depois sobre ordens religiosas e arqueologia.
Alliata me conduziu através do museu, passando por uma coluna entalhada com pombas de um monastério do século 4 na atual Jordânia, por grandes pedaços de mosaicos coloridos de mosteiros do deserto egípcio e grandes caixões de pedra marcados com cruzes. Vitrines foram preenchidas com moedas antigas, incluindo os meio-shekels mencionados na Bíblia, sementes de uva e caroços de azeitona de 2.000 anos de idade, e utensílios, como pratos e xícaras, usados na vida cotidiana.
Tornar públicos esses artefatos antigos na ala de arqueologia do Museu Terra Santa, inaugurada em 2018 e que em breve será ampliada, faz parte de uma tendência de aumento do envolvimento do público entre os franciscanos, que recentemente abriram a grande biblioteca do Mosteiro de São Salvador de Jerusalém à visitação e criaram um catálogo on-line para ela, como parte de um esforço contínuo para renovar vários locais sagrados em toda a região.
Essas mudanças estão acontecendo enquanto Israel experimenta um aumento no número de turistas, com cerca de quatro milhões de pessoas visitando o país em 2018. Um recorde, de acordo com o Ministério do Turismo.
De fato, foi durante uma alta anterior no turismo e interesse na Terra Santa, no século 19, que a Ordem Franciscana começou a se dedicar à arqueologia.
No Oriente Médio, os estudos arqueológicos começaram a se intensificar e atrair mais atenção para os debates sobre a história bíblica no final do século 19. Atualmente, os franciscanos, que, desde o século 13, são encarregados de preservar as propriedades da Igreja Católica e de auxiliar peregrinos cristãos na Terra Santa, decidiram abraçar a arqueologia e se unir ao crescente debate público e acadêmico sobre essa ciência.
"A história encontra seu apoio mais firme na arqueologia", escreveu o reverendo Prosper Viaud, um dos primeiros frades franciscanos a fazer parte de uma escavação, participando dos trabalhos sob a atual Igreja da Anunciação de Nazaré, em 1889.
A escavação expôs uma estrutura antiga, que ilustrou uma longa história de devoção naquele lugar. "Segui este caminho não porque sucumbi a um pensamento científico vazio, mas por causa de uma verdadeira vontade de encontrar a devoção dos peregrinos e fazê-los conhecer melhor a igreja de Nazaré."
Escavações
No início do século 20, os franciscanos começaram a escavar em torno de muitas de suas igrejas e mosteiros, publicando livros com os resultados e construindo uma enorme biblioteca de artefatos em Jerusalém. Desde 1924, o Studium Biblicum Franciscanum opera ininterruptamente como uma das várias instituições de pesquisa arqueológica que vêm surgindo em Jerusalém, incluindo o Instituto Albright de Pesquisa Arqueológica, a Escola Britânica de Arqueologia, o Instituto de Arqueologia da Universidade Hebraica e a Escola Bíblica e Arqueológica francesa, fundada pela Ordem Dominicana em 1890.
As escavações dos arqueólogos franciscanos - do monte Nebo, o topo da montanha jordaniana, tido como o lugar de onde Moisés teria visto pela primeira vez a Terra Prometida bíblica, à cidade de Cafarnaum, que ficava às margens do Mar da Galileia - ofereceram importantes contribuições para a arqueologia na região. Hoje muitos arqueólogos locais se sentem em dívida com os franciscanos.
"A pesquisa deles é uma peça importante do enorme quebra-cabeça arqueológico em Israel", disse Dina Avshalom-Gorni, arqueóloga da Autoridade de Antiguidades de Israel (órgão do governo israelense) que trabalhou com arqueólogos franciscanos em várias escavações. "Apesar de suas crenças religiosas, a pesquisa que eles produzem é realmente pura arqueologia. Eles nos dão fatos e eu posso confiar neles."
Para os franciscanos, a arqueologia continua sendo uma ferramenta valiosa para envolver o público e ajudá-los a entender o contexto das histórias contadas na Bíblia. "Você tem que saber sobre o dia a dia da época para realmente entender Jesus, para entender as parábolas", defende o reverendo Alliata.
Em outra sala do museu, Alliata apontou para uma vitrine contendo vasos feitos de delicado alabastro, considerado um material de luxo no mundo antigo e raro de se encontrar intacto. Ele relatou a história do Novo Testamento sobre uma pobre mulher derramando perfume de um vaso de alabastro na cabeça de Jesus. Ver o delicado vaso de alabastro ajuda a entender o nível de generosidade e sacrifício financeiro que esta mulher fez para Jesus.
Caminhando para fora da escura ala arqueológica subterrânea, Alliata atravessou um pátio de pedra ensolarado onde um grupo de turistas estava ouvindo um guia explicar como este era o lugar onde Jesus teria sido condenado e entregue para ser crucificado. Aquele dia era a segunda das 14 Estações da Cruz ao longo da famosa Via Dolorosa, ou Via Sacra, que leva à Basílica do Santo Sepulcro, considerada por muitos cristãos como o lugar onde Cristo teria sido crucificado e sepultado.
Não é de se estranhar que as escavações dos franciscanos levantem mais perguntas do que respostas sobre os eventos bíblicos e a antiga vida judaica e cristã na Terra Santa.
Segundo Alliata, a maioria dos arqueólogos franciscanos está mais interessada em aprender, em vez de provar histórias específicas. No local da Igreja da Natividade em Belém, tido como o local do nascimento de Jesus, os artefatos escavados mais antigos datam do século III, quase 200 anos após o nascimento de Jesus.
"Nós nunca abandonamos a tradição", disse Alliata. "As histórias podem ser provadas ou não, mas a religião é baseada na tradição."