Em tempos de sofrimento global pela pandemia do novo corona vírus, questiona-se qual o sentido de uma tragédia de tal monta, qual sua origem, significado e finalidade.
Seria o acaso a lhe provocar? Uma infeliz coincidência de circunstâncias aleatoriamente havidas? Ou uma experiência coletivamente programada e necessária? Na dúvida, pânico ou indiferença?
Eis que, desde seu surgimento com a codificação promovida por Kardec, a Doutrina Espírita tem esclarecido os questionamentos filosóficos e práticos que a humanidade sempre tratou como mistério inalcançável ou obstáculo limitado pelos recursos de compreensão disponíveis.
Antes do Consolador Prometido, iluminava-nos o entendimento o Promitente Divino, nosso irmão Jesus de Nazaré, quando reputou “bem aventurados” os aflitos, amenizando o sofrimento de todos aqueles acometidos pelo sofrimento da existência.
O Sermão do Monte não trazia apenas o consolo de revelar que feliz são os aflitos, pois que suas aflições seriam transformadas em futura felicidade. Mas também banhava de esperança os pobres de espírito, despidos de arrogância, os mansos, os chorosos, os que clamam por justiça os misericordiosos, os puros e pacificadores, bem como os injustiçados.
Todos estes, conforme nos revelou o médium de Deus, são felizes em sua condição, que lhes servirá de porta para instâncias de virtudes muito mais altas, mediante as lágrimas que verterem em função de sua caminhada evolutiva.
O Evangelho Segundo o Espiritismo, no capítulo V que trata das aflições, traz texto muito revelador – A desgraça real – trazido como Instruções dos Espíritos, subscrito pelo espírito da dama francesa Delfina de Girardin, precursora das pesquisas em torno das mesas girantes, amiga de Victor Hugo. A instrução dá conta de que aquilo que reputamos humanamente como desgraças, misérias, pobrezas, nada mais são que meios de galgar as virtudes necessárias à iluminação.
Adverte o nobre Espírito de que “tudo o que se chama infelicidade, segundo as acanhadas vistas humanas, cessa com a vida corporal e encontra sua compensação na vida futura”. É um chamado à resignação e à consciência, à mansuetude e à serenidade. É uma reafirmação da Lei de Causa e Efeito, que enche de perseverança aqueles que se encaminham para o bem.
Nesta longa estrada a percorrer, eis que as lágrimas que vertem de nossos olhos quando tristes adotam uma outra entonação, assumem a condição de bálsamo curativo das feridas morais, de apanágio das dores e alívio das chagas do sofrer.
Quantos, neste momento de dor que atinge todo o orbe, viram-se tomados pelo medo, pelo abandono, pela solidão, pela fome, pelas perdas dolorosas de entes queridos, pela tensão de não saber do amanhã revestido de suspense, pelo desânimo?
Quantas lágrimas escorreram no rosto dos menos assistidos, por nada poderem fazer em razão de sua penúria? E do rosto dos abastados, que – mesmo portadores das riquezas materiais – também nada podiam fazer diante do avanço do diminuto ser que consumia invisivelmente a estabilidade e a conhecida normalidade que julgavam dominar?
O momento leva a humanidade às iniciais reflexões postas. Mas nós, Espíritas, temos o Consolador a nos descortinar os mistérios que nos libertam da escravidão do medo, acenando com a continuidade da vida como Lei Divina inexorável. É uma bênção inefável.
Ainda acerca da importância das lágrimas, na Revista Espírita de maio de 1862, encontra-se uma Dissertação Espírita do espírito Cárita, poeticamente intitulada de “As duas lágrimas”, recebida pela médium Sra. Boullan em reunião ocorrida na Sociedade Espírita de Lyon.
O texto narra a saga de um Espírito teimosamente empedernido no caminho representado pela “porta larga”, reiterando a prática de crimes de reconhecida gravidade, sem que apresentasse por seus feitos qualquer viés de remorso ou emoção. Tudo mediante incisiva inspiração benéfica de Espíritos benfazejos que lhe guardavam em vão. Sofreria as consequências de seus desmandos...
A certa altura, um caridoso espírito que pelo ímpio velava, acerca-se de um seu ente querido que lhe enviava compaixão por saber do que enfrentaria, sugeriu-lhe pensar no infeliz e lhe descrever, provocando-lhe sentida piedade representada por uma lágrima furtiva, recolhida por aquele benfeitor, que a ostentou em uma delicada prece, rogando ao Pai Maior que aquele fosse o tributo pelo sofrimento a experimentar.
A petição foi acolhida pelo mestre, que permitiu que aquela lágrima amenizasse os sofrimentos daquele devedor. O espírito levou-lhe o fruto de seu esforço, mostrando-lhe o filme de sua existência, comovendo-o em momento do suplício, fazendo que daqueles olhos endurecidos vertesse uma lágrima.
Quando as duas lágrimas foram levadas ao Redentor, este assim teria respondido: ─ (...) Conservai essa primeira gota de orvalho do coração endurecido. Que essa lágrima fecunda vá regar esse Espírito ressequido pelo mal. Mas guardai sobretudo a primeira lágrima que essa criança me trouxe, e que essa gota d’água se torne diamante puro, porque ela é a pérola sem mancha da verdadeira caridade. Contai esse exemplo aos povos e dizei-lhes, solidários uns com os outros: “Olhai e vede! Eis aqui uma lágrima de amor pela Humanidade, e uma lágrima de remorso obtida pela prece. Estas duas lágrimas serão as pedras mais preciosas do vasto escrínio da caridade”.
Assim é que as lágrimas destiladas no atual momento – certamente inesquecível para a história contemporânea -revelam-se significativa panaceia para os males materiais e morais que se expuseram tão intensamente sob a assustadora forma de uma pandemia mundial.
Luiza Úrsula Matias de Azevedo
Trabalhadora da Federação Espírita do Rio Grande do Norte - FERN