Os dois pontos altos do evento foram a palestra do médium convidado Divaldo Franco, que veio da Bahia para o Congresso, e a apresentação de abertura, que teve a participação de grupo de corneta dos Alpes, reunindo as duas culturas em um dia de celebração da espiritualidade. O clima de emoção era tão forte que levou às lágrimas alguns dos participantes.
Nos últimos anos duas organizações dos espiritas foram abertas no país: a Federação Espírita Suíça (Fesuisse), criada há um ano e meio e, desde 1998, a União dos Centros de Estudos Espíritas na Suíça (Ucess). No total são 18 centros, duas editoras que publicam livros sobre a doutrina e cerca de 500 seguidores cativos, além dos inúmeros simpatizantes, impossibilitados de serem contabilizados por falta de frequência assídua. A conta, entretanto, pode dar a dimensão do público: se cada centro tem pelo menos uma sessão por semana, isso significa que acontecem no mínimo 72 palestras públicas mensais, onde são feitas as leituras de textos, isso sem contar as sessões de passe e as reuniões mediúnicas fechadas.
Congresso espírita
O evento, organizado pela Fesuisse, contou com a participação de 528 pessoas, 62 colaboradores e seis palestrantes: os brasileiros Divaldo Pereira Franco, Jorge Godinho Nery, Alberto Almeida, Sandra Borba e Raul Teixeira, e o francês Charles Kempf. Cerca de 80 fiéis vieram do Brasil exclusivamente para o acontecimento. O público era internacional e contou com a tradução simultânea em francês, alemão e inglês. As palestras foram transmitidas ao vivo pela Rádio da Federação Espírita Brasileira (FEB) e pela Rádio Fraternidade, alcançando um número de cerca de 16 mil pessoas pelo mundo. Durante o congresso, foram lançados três livros em alemão sobre o tema: dois do palestrante convidado, Divaldo Franco, e um do médium Chico Xavier - o maior líder da religião no Brasil.
O tema principal foi a Transição Planetária. De acordo com a presidente da Fesuisse e organizadora do evento, Gorete Newton, o tópico abordava as dificuldades que a humanidade vem enfrentando nos últimos tempos: o sofrimento coletivo do planeta e a necessidade de passar pela transição com mais amor e tolerância entre os povos. "Crises, diferenças entre pessoas, culturas e religiões são conflitos que integram o amadurecimento da humanidade. Todos os palestrantes abordaram, com focos diferenciados, a necessidade de mudança individual para um mundo de mais amor. Falamos sobretudo da necessidade de uma educação para a paz e perdão, que levam ao caminho do bem. O projeto de Jesus para a Terra é que ela se transforme em um mundo melhor. E isso acontecerá após essa grande transição", explicou Gorete.
Levados por elas: depoimento da repórter
Fui ao evento no sábado pela manhã, logo no primeiro dia. Assisti a palestra de abertura do convidado Divaldo Franco, aguardada ansiosamente por muitos. O clima era amistoso e o encontro muito bem organizado, todos os participantes usando crachás nominais, tradutores simultâneos separados por cabines; tudo bem profissional. Para quem pensa que nesse tipo de evento há passes e outras manifestações espirituais, eu já digo logo: não. Se não houvesse uma placa, poderia ser confundido com uma aula magna na universidade ou com um congresso médico profissional. O objetivo ali era o aprofundamento da crença e troca de informações por meio de palestras.
O evento foi realizado no Centro de Conferências de Kloten, local bem localizado, próxima à auto estrada e com farta oferta de estacionamento. Na antessala do evento, várias mesas com diversos livros sobre assunto expostos para venda, em vários idiomas e para públicos infantil e adulto.
Aproveitei o intervalo para me direcionar ao cômodo, com o intuito de entrevistar e olhar o material. Mais uma vez a mostra de organização, todos se levantaram calmamente, muitos compraram livros, se dirigiram ao primeiro andar para saborear café, bolos e salgadinhos brasileiros. Eu tinha curiosidade em saber quem eram esses estrangeiros, que se interessavam por uma religião tão difundida no Brasil e ainda pouco conhecido por pessoas de outra nacionalidade. Pois foi exatamente nessa observação que descobri algo que me chamou atenção.
Muitas brasileiras são as responsáveis por introduzirem o espiritismo na vida dos maridos estrangeiros. Seja por curiosidade, companheirismo ou pela necessidade do preenchimento do vazio existencial, o fato é que muitos esposos suíços e alemães, presentes no 1° Congresso Espírita da Suíça, conheceram a doutrina pelas mãos das mulheres. Quando não conseguem levar seus companheiros, fazem questão de comprar os livros de autores brasileiros traduzidos em outros idiomas. De acordo com Gorete, foram vendidos cerca de mil livros durante o Congresso.
Alívio para dor, doença e solidão – Encontrei logo o alemão Klaus Schneider, que foi abordado por mim quando comprava dois livros que estavam sendo lançados na língua alemã no evento, os dois únicos que ainda não tinha lido. Ele veio de Mannheim, na Alemanha, com a esposa para o Congresso. Casado com uma brasileira há 18 anos, convive com o espiritismo há muito tempo, mas só começou a frequentar os centros e a ler há três anos, após sofrer de uma doença muito grave e se voltar mais para questões ligadas ao espírito.
As brasileiras Rita Schwarten e Marcia Digiacomo também compraram livros na língua germânica para os maridos. As duas, que moram em Berna, também fazem questão de levar uma mensagem mais espiritual aos companheiros, que não foram ao evento por terem ficado com as crianças. "Eles não puderam vir, mas compramos os livros para que eles possam ler depois", explicam. De acordo com Marcia, o marido não se assume como um espírita, mas já leu todos os livros psicografados por Chico Xavier. Rita vai mais além: faz leitura do evangelho em casa para toda a família.
O suíço Ernesto Schöni é outro exemplo de marido engajado. Trabalhava no caixa da lanchonete do Congresso, acompanhando a esposa, Zelia Schöni, que também fazia parte da comissão organizadora. Schöni, que tem contato com a doutrina há 25 anos, diz se interessar muito pelos ensinamentos de Kardec. De origem protestante Luterana, o suíço explica que o espiritismo chamou sua atenção por trazer explicações muito lógicas e racionais aos fatos, ao contrário da religião que herdou de sua família.
Sejam brasileiros ou estrangeiros, o fato é que as casas espíritas fazem questão de afirmar: estão de portas abertas a todos. Eu, que fui ao evento como jornalista e nunca tive contato com a religião, senti um clima agradável, com pessoas abertas a conversa e sem imposições de pontos de vista. Muitas mulheres se reencontrando, umas saindo para almoçar juntas, outras aproveitando para saborear a culinária brasileira que era vendida no local. E eu, que também tinha forme, aproveitei para comer coxinha de galinha, beber guaraná e rever vários amigos presentes.
as brasileiras Ruth Schwarten e Marcia Digiacomo comprando livros para os maridos estrangeiros.
(swissinfo.ch)
Como surgiu a religião
O Espiritismo surgiu na França no século XIX por Hippolyte Léon Denisard Rivail, que viveu entre 1804 a 1869. Tudo começou por um encontro casual com um amigo, que lhe relatou uma série de eventos extraordinários, supostamente provocados pela ação direta de espíritos. Curioso, mas descrente, começou a frequentar reuniões e a estudar os fenômenos, quando ouviu de um médium que ele teria sido um celta chamado Allan Kardec. Como tal, deveria reunir os muitos ensinamentos e conclusões dos últimos séculos numa doutrina que propagasse os ideais de Cristo e trouxesse alívio para os corações dos homens. O Espiritismo é uma doutrina baseada em ensinamentos científicos, filosóficos e religiosos.
História da Doutrina na Suíça
O Espiritismo não é novidade por aqui. O jurista e escritor suíço Jakob Georg Sulzer, que nasceu em Winterthur (1844-1929) foi autor de inúmeras obras sobre a filosofia e considerado um dos mais importantes vultos do espiritismo de sua época no país. Entre seus livros, estão o "Informações sobre o Espiritismo, O que é a Verdade?, Minha Visão de Mundo, O Estudo da Doutrina Darwinista sob a ótica do Espiritismo; etc.
De acordo com Gorete Newton, sua memória foi por muito tempo esquecida. O Centro de estudos espíritas Allan Kardec (CEEAK) encontrou, em 2008, em uma biblioteca suíça, uma grande quantidade de obras literárias de sua autoria. "Foi uma surpresa nos depararmos com um acervo de textos de cunho sócio-político, científico e religioso", conta.
Já no fim do século XIX existia na Suíça a Associação Espírita Psiche, que foi fundada em Zurique provavelmente no ano de 1897. Nos estatutos de sua fundação constam a cláusula de que "o objetivo da associação é o estudo de fenômenos espíritas. Já naquela época, contava com folheto informativo, revista mensal, promovia palestras, mantinha biblioteca, além de promover reuniões e conversas no restaurante da estação Schützengarten.
A religião não enfrenta problemas com a vizinhança na Suíça. Como as reuniões são silenciosas e discretas, mais voltadas ao estudo de livros, não incomoda. Mas como a sociedade suíça é mais resistente a religiões, o espiritismo também enfrenta preconceito. Um dos participantes suíços presentes no evento pediu para não ser identificado ao dar entrevista por temer ser malvisto por colegas. Ele diz que quando menciona que pratica os ensinamentos de Kardec é julgado e, portanto, prefere omitir sua opção religiosa.