“Hoje foi um dia muito emocionante. Uma paciente que fez apenas oito sessões e não tinha função nenhuma, conseguiu movimentar o braço dela”. Este é o relato da educadora física Isabela Alves Marques, que está à frente de um tratamento para pessoas com sequelas nos braços após terem sido acometidas por Acidente Vascular Cerebral (AVC).
A emoção de Isabela é compreensível e contagiante. Normalmente, para esse tipo de caso os resultados só começam a aparecer depois de 12 sessões. No entanto, a paciente, uma mulher de 34 anos que sofreu um AVC em maio de 2018, surpreendeu a todos ao registrar esse movimento voluntário.
O tratamento faz parte de uma pesquisa que irá compor a tese da Isabela. Formada em Educação Física, ela está cursando o doutorado e a tarefa tem sido árdua e ao mesmo tempo inspiradora.
O tratamento
A pesquisa desenvolvida pela Isabela Alves Marques e pela equipe de pesquisadores Gabriel Cyrino, Júlia Tannús e Leandro Mattioli, com orientação dos professores Eduardo Lázaro Martins Naves e Edgard Afonso Lamounier Júnior, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica da Faculdade de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Uberlândia (Copel/Feelt/UFU), envolve a utilização de um jogo que foi desenvolvido no Laboratório de Computação Gráfica da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Ao todo serão feitas 16 sessões, com duração de 30 a 45 minutos, em que o paciente irá movimentar os braços conforme interage com o jogo.
Para participar é necessário que o paciente tenha espasticidade em algum dos braços - ou seja, uma rigidez que não permite o esticamento total após ter sofrido o AVC. Já pessoas que tenham aplicado botox - tipo de tratamento para espasticidade - ou com problemas de fala ou cognitivos não podem fazer parte do estudo.
“Queremos ver se o jogo influencia no controle motor de uma pessoa que sofreu AVC. O paciente tem uma contração involuntária do braço, acarretando em dor e o inabilita para desenvolver as atividades que fazia costumeiramente. Estamos dando o jogo para que o cérebro reaprenda essa função e pessoa volte a fazer os movimentos. Depois, vamos quantificar isso”, explicou Isabela.
Um dos pesquisadores do estudo, Gabriel Cyrino,contou um pouco mais sobre o trabalho desenvolvido.
“Os jogos eram usados para diversão, mas com a mesclagem no âmbito fisioterapêutico conseguimos uma melhoria bastante interessante. Com os movimentos massantes que o paciente têm que fazer na fisioterapia, ele pode ter um desgaste maior ou desmotivar. Por isso, a gente decidiu desenvolver um jogo para auxiliar na reabilitação de membros superiores em pacientes que sofreram AVC”, explicou.
Porém, é importante lembrar que a equipe não aconselha aos pacientes que já fazem fisioterapia abandonem o tratamento.
“Ainda falamos em uma terapia complementar. Oferecemos a reabilitação com o jogo, mas se a pessoa já faz fisioterapia, não pedimos para interromper. Não podemos dizer para que o paciente pare tudo e teste apenas o nosso tratamento”, acrescentou Isabela.
Retorno e acessibilidade
Sobre o futuro do tratamento, Isabela e a equipe esperam que o mesmo ajude muitas pessoas e seja acessível a todos os públicos. Atualmente, o sensor utilizado para se jogar remotamente custa R$ 50. A ideia é que futuramente o jogo seja disponibilizado no site da UFU e a equipe médica acompanhe as ações dos pacientes em tempo real. Uma das alternativas é focar em parcerias.
“Queremos devolver ao público o estudo que eles pagaram para a gente”, disse Isabela, se referindo ao fato de a tese estar sendo desenvolvida em uma universidade pública.
No entanto, alguns passos ainda precisam ser dados antes de se chegar ao objetivo final. “Ainda temos que finalizar o trabalho, ver se realmente funciona e, ainda, se será viável”, pontuou a pesquisadora.
“Por ser da área da saúde, acredito que a pesquisa precisa levar benefícios para o público. Sempre quis fazer algo que pudesse ser palpável e oferecer benefícios. A pesquisa ao lado da população pode trazer sucesso”, afirmou Isabela, que está emocionada com os resultados do trabalho.
Quer jogar?
O jogo desenvolvido pelo mestrando Cyrino acontece em uma floresta tropical onde o paciente controla uma harpia, pássaro bem parecido com uma águia. No cenário existem outros animais, como crocodilo, tigre, pássaros e cobras, que servem de desafio no jogo.
Na prática é um vídeo game. Por meio do painel de controle é possível configurar como será cada sessão e cadastrar as informações de cada paciente. Também é possível realizar a customização do jogo, alterando partes gráficas, controles e a interface multimodal.
Além disso, os desenvolvedores tomaram o cuidado de não impor desafios que possam desanimar o paciente.
“Ele vai primeiro realizar movimentos simples de virar à direita, esquerda, subir e descer e, depois movimentos mais complexos”, explicou Marques.
Lembra do sensor citado pela Isabela? De forma bem resumida, ele funciona assim: o jogo é controlado por meio de um aparelho chamado Myo. O equipamento consegue capturar os movimentos do braço do paciente, sendo possível regular sua precisão. Já para calcular o grau de espasticidade do paciente foi desenvolvido um dispositivo no Núcleo de Tecnologia Assistiva (NTA), pelas mestrandas Andressa Rastrelo Rezende e Camille Marques Alves, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Biomédica (PPGeb/UFU).
“A gente decidiu fazer esse equipamento a partir do método linear do estiramento tônico. Ele vai coletar tanto o sinal do eletromiográfico quanto a variação angular, que é o quanto a pessoa consegue esticar o braço. pessoa volte a fazer os movimentos, o equipamento pega os dados e quantifica um certo valor em graus de espasticidade. Isso vai ajudar na reabilitação, além de informar o quanto houve de melhora”, esclareceu ela.
You win!
Nesse jogo, não há perdedores, nem game over. Conforme explica Isabela, os dados serão analisados e levantados o percentual de melhora de cada paciente. Depois, os resultados relativos à reabilitação e quantificação dos dados irão compor a tese da doutoranda. Já o pesquisador Cyrino focará nas informações sobre o impacto do jogo na reabilitação dos membros superiores. Essas informações farão parte da dissertação dele.
Os atendimentos serão realizados no Núcleo de Tecnologia Assistiva (NTA), no Campus Santa Mônica da UFU. As inscrições podem ser feitas por meio do telefone (34) 99677-4474.