Todas as falhas que o caráter humano, essencialmente imperfeito, carrega consigo, são derivadas do egoísmo. Isto a Doutrina Espírita nos assegura no Evangelho Segundo o Espiritismo:
“Que cada um, portanto, empregue todos os esforços a combatê-lo em si, certo de que esse monstro devorador de todas as inteligências, esse filho do orgulho é o causador de todas as misérias do mundo terreno. É a negação da caridade e, por conseguinte, o maior obstáculo à felicidade dos homens” (Capítulo XI, item 11).
E é do egoísmo, portanto, que se origina uma das atitudes que mais nos distancia do movimento caridoso que nos leva à felicidade verdadeira. Precisamente, uma atitude que nos cerra em nossa própria visão de mundo arrogantemente porque, em geral, se fundamenta em julgamentos pré-estabelecidos e rasos.
E é do egoísmo, portanto, que deriva a rasgadura moral do preconceito.
Não raro somos reféns de crenças sociais e culturais inconscientes que nos impedem de compreender o universo alheio. Isto porque nossa estrutura vivencial está pautada em experiências individuais. Certamente, tendemos a ver e viver o mundo segundo os acontecimentos que presenciamos, as informações que temos acesso, conforme a opinião de pessoas mais próximas...Por fim, podemos dizer que somos influenciados por vários fatores que se coadunam em um contexto muito próprio, em termos individuais, como família, escolaridade, gênero, cor, classe social, repertório de encarnações passadas, etc.
Assim, o corpo material e o nosso contexto reencarnatório comportam uma experiência única que vai influenciar grandemente nossa visão de mundo. E é normal que isto seja desta forma, que tenhamos opiniões e experiências inerentes a nossa individualidade. O grande problema é nos fecharmos nisto terminantemente.
Pensando sobre este tema, me lembrei de uma passagem muito interessante do livro “O Mundo de Sofia”:
"Sofia
colocou os óculos. Tudo à sua volta ficou vermelho. As cores claras ficaram
vermelho-claras e as escuras vermelho-escuras.
- O que você está vendo?
- O mesmo de antes, só que vermelho.
- A explicação para isto é que as lentes dos óculos determinam o modo como você
percebe a realidade. Tudo o que você vê é parte do mundo que está fora de você
mesma; mas o modo como você enxerga tudo isto também é determinado pelas lentes
dos óculos. Você não pode dizer que o mundo é vermelho, ainda que neste momento
ele pareça vermelho".
Nesta analogia, o vermelho é a visão de mundo de um indivíduo em particular.
Eu diria que, em certa medida, é inevitável nós nos despirmos completamente de nossas lentes. O fato de estarmos encarnados como humanos e ainda carregarmos conosco o egoísmo de forma tão imanente faz com que não possamos ainda, com plenitude, estar no outro, por assim dizer. Mas sem dúvida, podemos empreender um verdadeiro esforço.
Que belo seria se pudéssemos sempre nos engajar o exercício de estendermos as nossas vivencias até a experiência do próximo, para que fôssemos capazes de compreender suas dores, suas emoções, seus pensamentos, seus atos. Aí estaríamos abrindo o leque para tudo o que caracteriza o indivíduo de bem: indulgência, misericórdia, mansuetude, brandura...
Infelizmente, é na falta deste exercício que vemos crescer ao nosso redor tanta violência, tanta intolerância, fobias, silenciamentos, assassinatos, desprezo e discriminação. Vemos de forma nítida como isto tem se manifestado atualmente, em um ataque constante aos grupos sociais historicamente desfavorecidos, tais quais LGBTT’s, mulheres, negrxs, indígenas e afins.
Mas, apesar da inviabilidade desta experiência completa, creio eu que tão somente a consciência de que usamos estes óculos e que o mundo não é necessariamente vermelho já pode nos levar muito longe. Talvez ainda não possamos enxergar todas as cores, mas podemos ter a consciência de que muitas outras existem para além do mundo monocromático em que cada um de nós vivemos.