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A elitização do espiritismo brasileiro

22 de Julho de 2019 às 09h20

O Brasil continua ostentando o título de maior nação espírita do mundo. Isso porque, em nenhum outro lugar do planeta, a doutrina dos Espíritos codificada no século XIX por Alan Kardec alcançou notoriedade como por aqui. Entretanto, é preciso estarmos atentos aos detalhes acerca do modo com que o Espiritismo vem sendo configurado e, especialmente, avança rumo aos desafios morais, espiritualistas e sociais que caracterizam a vida na sociedade em que vivemos. Sociedade esta que, como não é difícil de se perceber, atravessa um momento de forte turbulência e mudanças contundentes face ao avançado processo de transformação que já se encontra em franco andamento impulsionando o planeta Terra à transição de mundo de provas e expiações para mundo de regeneração, conforme apregoam os postulados da codificação espírita.

Neste contexto, os dados estatísticos publicizados, sobretudo, pelo IBGE através do último censo demográfico, apontam para um perfil curioso da comunidade espírita brasileira. De todos os segmentos religiosos, o Espiritismo representa aquele com o maior número de pessoas com grau de escolaridade superior, de cor branca e renda acima da média geral. Um perfil que, vale ressaltar, se repete há várias décadas e que sinaliza para um grupo espiritualista com perfil, portanto, elitizado. Somos, portanto, como costuma repetir em suas palestras o jornalista e conferencista espírita André Trigueiro uma elite econômica e intelectual. Público este que, aliás, tem mantido um padrão de difusão da mensagem evangelizadora de nível elevado e diferenciado das demais correntes religiosas cristãs. Não bastasse o fato de se tratar de uma doutrina cujo cabedal de conhecimento é propagado essencialmente por meio de uma vasta e cada vez mais custosa bibliografia, vê-se agora ser disseminado uma prática nenhum pouco popular de disseminação doutrinária que é a realização de eventos espiritistas de alto nível, em geral, pagos e realizados em espaços com limitação de lotação. Ou seja, restrito não só a um público de condição privilegiada, mas também que se antecipa e garante o seu “ingresso” e melhores lugares na plateia a cada novo evento social espírita. A democratização da audiência, justificam alguns, é compensada pelas transmissões dos tais eventos através da internet que tem conectado um número cada vez maior de pessoas. Algo que, entretanto, vale salientar, não contempla a multidão de pessoas que não tem acesso à internet. Número este que tende a aumentar face à séria crise social que abate o país.

Dentro desse cenário, pego carona novamente aqui nas palavras reflexivas do colega André Trigueiro e lanço a pergunta inevitável: para quem essa elite intelectual e econômica está falando? O que falta para que o postulado espírita deixe de ser um privilégio de poucos e se torne um legado ao alcance de todos?. Segundo o último censo, somos cerca de 4 milhões. O número dos ditos simpatizantes, entretanto, se aproxima de 40 milhões. Eis aqui um dado intrigante e que suscita outro questionamento: o que explica esse exponencial crescimento de apreciadores da doutrina em relação ao índice de pessoas denominadamente espíritas que, apesar de se demonstrar crescente nas últimas décadas, ainda permanece cavalgando muito lentamente se comparado com o crescimento de outras correntes religiosas cristãs e não cristãs?

O que estaria faltando para afinal de contas, se levar e elevar o conhecimento espírita a um patamar de popularização e, assim, retirá-lo da condição de um postulado com ares de elitização e torná-lo algo ao alcance das massas e, sobretudo, dos mais necessitados. Esses que geralmente só são alcançados através das ações de caráter assistencialistas e que muitos espíritas se utilizam como forma de desencargo de consciência cristã em nome de uma caridade atrofiada. Eis aqui questionamentos que penso serem provocantes e viáveis para uma reflexão em torno da questão maior que norteia esse comentário: que tipo de Espiritismo efetivamente está sendo construído e disseminado no nosso país? Como acredita-se que o que move o mundo são as perguntas e não as respostas, encerro portanto este comentário com esses questionamentos na esperança de que possamos nos mover na direção de reflexões construtivistas e não simplesmente críticas.